Buenos Aires. De onde é (supostamente) o "bacano" que escreveu um comentário daqueles porreiros num dos meus últimos posts. Bem, mas isso agora não interessa. Buenos Aires fez-me pensar... em algo. Mas em quê? Fiquei assim com comichão durante os dois dias que se seguiram, eu SABIA que significava algo importante para mim mas era incapaz de me lembrar exactamente o quê. Afinal de contas não conheço pessoalmente ninguém de lá, nunca lá fui, li pouco sobre a região (excepto alguns romances da Isabel Allende), enfim, não era por aí. Bem, chega, esta introdução está-se a tornar demasiado secante a meu gosto. A "palavra mágica" é... Barenboim. Pois, assim à primeira vista parece que estou a tentar transformar uma chaleira em sapo (ok, admito, overdose de Harry Potter) mas não. Trata-se do nome dum senhor, Daniel Barenboim. (isto é que é uma introdução e pêras, hem, aposto que ja estão todos a arder de curiosidade...)
Nasceu em 1942 em Buenos Aires (precisamente!!), israelita, é um pianista e maestro conceituado: dirigiu a orquestra de Paris de 1975 a 1989, é "director musical" (não sei exactamente o que isto é mas parece um cargo muito importante) da Orquestra sinfónica de Chicago desde 1991 e director geral da música na Ópera de Berlim desde 1992. Bem, mas não é exactamente isto que o torna importante para mim, já parece que um dia abri o Petit Larousse ao calhas e levei um coup de foudre ao ler a biografia dele. OK, já me estou a baralhar toda, vou começar pelo princípio, isto é mais para saberem que não é um músico qualquer.
Neste verão, no decorrer do mês de Agosto, é que ouvi o nome dele pela primeira vez. Foi quando dirigiu uma orquestra de jovens músicos num concerto em Ramallah (vi-o na TV). A orquestra era constituída por jovens de Espanha e do Médio Oriente (Israel e países Árabes) e actuava pela primeira vez naquela zona problemática do conflito israelo-palestiniano. Tocaram uma sinfonia de Mozart (com um diálogo entre um oboé e um clarinete, um era Israelita, o outro egípcio) seguida da Quinta Sinfonia de Beethoven tocada de forma a cortar a respiração a qualquer um (neste caso a um público de 1000 pessoas, a minha family e eu, mais o pessoal que viu o concerto num ecrã gigante na rua e os outros telespectadores da Arte), era impressionante ver todos aqueles músicos de nacionalidades e religiões tão diferentes e até por vezes (hum hum... demasiadas vezes) conflituosas, a suar todos juntos, praticamente "possessos" pela música, por Beethoven, e, quem sabe?, pelo próprio Barenboim que deu para ver (não sou especialista na matéria mas nunca vi dirigir uma orquestra daquela maneira), TEM de ser um dos maiores maestros do mundo. Parecia que deixava de ser humano, era como se estivesse enfeitiçado, transformado por um momento num... sei lá, em algo mais que humano, mas mais acessível que um Deus. Enfim, deveras paralisante. Aliás bastava olhar para o público, constituído fundamentalmente por palestinianos, homens, mulheres (com ou sem véus, de todas as formas e feitios), crianças, velhos e adolescentes, a sala estava a abarrotar (parece que meia hora antes do espectáculo já não havia lugar nem nos degraus). Ao princípio sentia-se uma certa tensão... ou apreensão? relacionada com o clima político (nãããão!!!! a sério??!), mas depois dava para ver evoluir os olhares, passavam de curiosos e pensativos, alguns divertidos, a simplesmente fascinados, totalmente rendidos à magia de Beethoven e Barenboim. Aliás no fim da 5ª sinfonia houve palmas com toda a gente de pé, durante pelo menos 5 minutos, após os quais a orquestra tocou ainda Nimrod das “Enigma Variations” de Elgar. Depois houve ainda os discursos sobre... bem, os blablas do costume, o facto é que também só dava para falar de paz, e também os agradecimentos ao governo espanhol, que forneceu passaportes de diplomata para os músicos poderem penetrar em Ramallah.
Depois de ver esse concerto pus a mesa para o jantar, e a vida continuou, o resto das férias decorreram, fiquei com curiosidade sobre o senhor mas depois tive outras preocupações e acabei por esquecer o episódio. Voltou-me à memória quando li a palavra "Buenos Aires" no perfil do "bacano" há dois dias atrás. (É verdade que em Agosto estranhei quando soube que ele tinha nascido lá sendo israelita... mas visto que nasceu em 1942... mais valia com efeito estar do lado de lá do Atlântico.) E voltou a curiosidade. Fiz uma pesquisa rápida na net sobre a orquestra e sobre o concerto em Ramallah.
A orquestra chama-se West-Eastern Divan Orchestra, e foi fundada por Daniel Barenboim (quero que decorem este nome :-P ) e o seu amigo Edward Said (intelectual palestiniano que morreu em 2003 aos 63 anos de leucemia e cujo retrato estava na parede do auditório e em cartazes na assistência) em 1999 com o intuito de fomentar o contacto e a reconciliação entre israelitas e árabes. Reúne cerca de 50 (vi 70 num site, 40 noutro) jovens entre os 13 e os 26 anos de Israel, Palestina, Síria, Jordânia, Líbano, Tunísia, Egipto e Espanha que leva todos os anos em tournée em diversas zonas do mundo. Este ano passaram por Espanha, Brasil, Argentina, Reino Unido e Alemanha, antes de actuar em Ramallah. Aqui era a primeira vez que actuavam, nunca tinham podido por razões de segurança. Este concerto foi portanto a realização de uma parte importante do sonho de Barenboim e Said quando fundaram a orquestra: actuar em todos os países de onde são originários os músicos. Nos sites encontrei também umas citações interessantes, que revelam que Barenboim não só deve ser um dos maiores maestros de todos os tempos, tem uma personalidade e um carisma de que muitos dos "grandes deste mundo" precisavam:
comentários de alguns músicos israelitas que põem os pés em Ramallah pela 1ª vez (sublinhados meus):
[antes do espectáculo em Ramallah]
«I think most of the people are going only because of their desire to please the maestro. (...) I admit I said yes because I didn't want to disappoint him. I'm not going happily – except for the happiness I will have playing with Barenboim.»
«It can cause a change, and this is a historic moment»
«(...) the fact that I am not entering with a stick that can shoot, but with a stick that makes music – that is important.»
«(...)music is something not political, and the project could have been made a lot less political and a lot more musical and human: looking at the people there as equals»
[depois do espectáculo]
«(...) I wouldn't have forgiven myself if I hadn't gone. During the intermission, I spoke with one of the Palestinian guards and asked him if he was happy we came. 'You can't imagine how happy I am', he replied, and it simply gave me goosebumps. 'And you?' he asked. I told him I was in a state of ecstasy.»
Barenboim:
«It has been said of us that we are an orchestra of peace; that may be a compliment, but this concert will not bring peace, we all know that.
Understanding, tolerance, courage and the curiosity to listen to the narrative of the other – that is our goal.»
«It is our belief that the destinies of these two peoples, Israel and Palestine, are inextricably linked... either we all kill each other or we share what there is to share. It is this message that we have come here to bring.»
Barenboim Edward Said
(infos e citações tiradas de: http://pamolson.org/ArtIsrRamallah.htm; http://www.guardian.co.uk/israel/Story/0,2763,1553956,00.html;
http://www.arte-tv.com/fr/art-musique/un-ete-de-festivals/948334.html)
Que ninguém se sinta obrigado a ler este blog... a sério, só o fiz para ver como é, para publicar aquilo que me vem à cabeça... o que nem sempre é interessante. Ne vous sentez pas obligés de lire ce blog... je l'ai fait uniquement comme expérience, pour publier ce que je considère intéressant. Et tout est relatif. Surtout l'intéressance. Bref, bienvenue à mon blog! Bem-vindos ao meu blog!
sexta-feira, novembro 04, 2005
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2 comentários:
Ahhh Buenos Aires....cidade linda! A Paris da America Latina! Cidade de tão grandiosos personagens...empregnada de Tango e glamour.
Euh...é melhor parar....
So tenho a dizer que são pessoas como o Barenboim que fazem com que hoje em dia, por esses pequenos gestos, as coisas possam mudar...ou pelo menos tender para uma coisa melhor.
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