Tenho uma amiga na faculdade que anda sempre com lágrimas atrás. No outro dia estávamos na fila da cantina e diz-me ela: «pera aí, tenho de pôr as minhas lágrimas». E lá sacou de uns tubinhos de plástico com o tal líquido translúcido, quimicamente o mais parecido possível com aquele que vertemos pelas mais variadas razões. Ela tem de o pôr porque usa lentes de contacto e tem olhos "secos". Bem, mas isso não interessa, o facto é que a ideia de se poder comprar lágrimas na farmácia da esquina inspirou-me... porque não? Imaginei um puto a responder à tal pergunta do "o que queres ser quando fores grande?": «eu quero ser... vendedor de lágrimas». Quais seriam os pré-requisitos para essa profissão?
Seria necessário saber onde as arranjar, quais as ondas do mar que têm a salinidade mais compatível com os olhos humanos, quais as gotas da chuva que escorrem pelos vidros da janela do meu quarto ou pelo pára-brisas do autocarro que mais se parecem com lágrimas... quais as gotas de orvalho que formam os regos mais bonitos nas folhas dos plátanos...
Um vendedor de lágrimas teria antes de mais nada de saber exactamente quando estar presente... e estar lá sempre, imperativamente, se necessário. Porque as lágrimas são daquelas coisas que têm mesmo de estar disponíveis quando precisamos delas... imaginem o que seria ter aquele frio na barriga, os soluços, aquela fraqueza súbita e não poder chorar... ou também sentir aquele calor imenso no peito, a euforia a rebentar por todo o corpo, o aperto na garganta de tanta felicidade, e mais uma vez, de não a poder exprimir fisiologicamente (estou em biologia... há que usar os termos exactos para cada coisa =P). Por outro lado, há alturas em que era bom podermos escolher. Eu, por exemplo, detesto chorar em público, acho que todos (ou quase) temos uma certa relutância em mostrar fraqueza nalgumas circunstâncias; nesse momento chegaria o vendedor de lágrimas (ké frô? ké lágrima?) ao qual poderíamos responder discretamente "não obrigado... ainda não".
Que ninguém se sinta obrigado a ler este blog... a sério, só o fiz para ver como é, para publicar aquilo que me vem à cabeça... o que nem sempre é interessante. Ne vous sentez pas obligés de lire ce blog... je l'ai fait uniquement comme expérience, pour publier ce que je considère intéressant. Et tout est relatif. Surtout l'intéressance. Bref, bienvenue à mon blog! Bem-vindos ao meu blog!
quarta-feira, novembro 30, 2005
segunda-feira, novembro 21, 2005
ciclos
Para B. :
Mantém os olhos bem abertos e não te esqueças... nada é difinitivo, não há "últimas oportunidades"
a vida é feita de ciclos, as oportunidades para ser feliz repetem-se... não percas a próxima...
Mantém os olhos bem abertos e não te esqueças... nada é difinitivo, não há "últimas oportunidades"
a vida é feita de ciclos, as oportunidades para ser feliz repetem-se... não percas a próxima...
... uma vez que a apanhas basta deixares-te levar pelo vento e pelos acontecimentos...
... esperar que ela te volte a içar para cima, para fora do teu baixo astral...
... e deixar que ela te tire do lado sombrio.
(ok, tou num dos meus dias místicos)
segunda-feira, novembro 14, 2005
Voei com um bando de cisnes
Levada pelo vento, pelo ar, a toda a velocidade, encontro-me a uns 10 ou 15m de altura, sobrevoando uma auto-estrada. O meu corpo repousa num pedaço de cartão, do tamanho de uma folha A4, colado na minha barriga pela força do vento. Por baixo, a auto-estrada, pouco frequentada, com um ou outro carro que me ultrapassa e que acompanho com o olhar. De vez em quando sinto ao meu lado a presença branca, elegante e silenciosa de um dos meus companheiros de viagem. Olho para ele, mas o seu olho cercado de negro ignora-me altivamente, sereno, concentrado na rota. Acelera em seguida, juntando-se ao resto do bando, mais à frente. Sentindo-me abrandar, dou mais aos braços, sem ter no entanto a intenção de alcançar os cisnes. Vejo-os de longe, observo o seu voo regular e elegante, as suas silhuetas brancas, e sinto-me ridícula, quando noto que o meu braço esquerdo não tem tanta força como o direito e o meu corpo tem tendência a virar para a esquerda. Tenho portanto constantemente que emendar a minha rota, batendo com mais força o braço esquerdo ou dando impulso com as pernas, ajeitando o pedaço de cartão que se arrisca a escorregar. Preciso também de evitar os fios de alta tensão que atravessam a auto-estrada, passo por cima, ou por baixo, vejo os cisnes lá à frente, a fazer o mesmo. Regularmente, um ou outro abranda para me acompanhar um bocado, sinto alguma cumplicidade, não hesito a dirigir-lhe um olhar, embora saiba que ele não vai deixar de me ignorar. Desfruto a velocidade, o vento na cara, esta sensação de planar.
Chego a Lisboa, encontro-me na Estrada da Luz, com o meu precioso pedaço de cartão debaixo do braço. Quando vou ter com a minha mãe, passo por um jovem, que finjo ignorar sem deixar de o observar pelo canto do olho, e que olha para mim com ar igualmente indiferente. A minha mãe pergunta-me como é que vim para Lisboa. «A voar» respondo eu. Ele tem óculos e parece ligeiramente mais novo que eu (não o reconheci, e não sei dizer a idade dele, fisicamente parecia jovem, mas havia uma certa dureza ou maturidade na sua atitude). A minha mãe obviamente não acredita no que lhe digo, decido portanto fazer uma demonstração. Enquanto tento voltar a voar (sabendo perfeitamente que não vou conseguir) vejo que ele meteu conversa com a minha mãe. Desisto e vou ter com eles ligeiramente frustrada por não conseguir voltar a voar. Ele abraça-me, sério, explicando-me que às vezes também lhe acontece destas coisas e que me compreende, e a partir daí não me lembro mais.
That was my dream. Há imenso tempo que não fazia um sonho destes, com experiências e sensações novas (nunca tinha voado antes); com princípio, meio e fim. Fiquei no entanto com curiosidade sobre o seu significado, sobre a simbologia que podem ter os cisnes. Na net há várias versões, cada uma menos credível que a outra... Se alguém tiver alguma ideia, não hesite em dizer-me qualquer coisa. O meu irmão já teve a ideia da gripe das aves e da importância das rotas migratórias... mas duvido que tenha alguma coisa a ver... e daí... tatãããã... =P
sexta-feira, novembro 11, 2005
Vos études c'est de la blague
Extrait de L'Herbe Rouge, un roman de Boris Vian. Disons que c'est une vision des études comme une autre... peut-être un (petit) peu agressive. Bref, y en a qui gardent des mauvais souvenirs...
«[...]- Monsieur Brul, dit Wolf en martelant ses mots, écoutez ce que je vais vous répondre. Écoutez bien. Vos études c’est de la blague. C’est ce qu’il y a de plus facile au monde. On essaye de faire croire aux gens, depuis des générations, qu’un ingénieur, qu’un savant, c’est un homme d’élite. Eh bien, je rigole ; et personne ne s’y trompe, sauf les prétendus hommes d’élite eux-mêmes. Monsieur Brul, c’est plus difficile d’apprendre la boxe que les Mathématiques. Sinon, il y aurait plus de classes de boxeurs que de classes de calcul dans les écoles. C’est plus difficile de devenir un bon nageur que de savoir écrire en français. Sinon il y aurait plus de maîtres baigneurs que de professeurs de français. Tout le monde peut être bachelier, monsieur Brul… et d’ailleurs, il y a beaucoup de bacheliers ; mais comptez le nombre de ceux qui sont capables de prendre part à des épreuves de décathlon. Monsieur Brul, je hais mes études, parce qu’il y a trop d’imbéciles qui savent lire : et ces imbéciles ne s’y trompent pas, qui s’arrachent les journaux sportifs et glorifient les gens du stade. Et mieux vaudrait apprendre à faire l’amour correctement que de s’abrutir sur un livre d’histoire.
Monsieur Brul leva une main timide.
- Ce n’est pas moi qui dois vous questionner là-dessus, dit-il. Ne sortez pas du sujet, encore une fois.
- L’amour est une activité physique aussi négligée que les autres, dit Wolf.
- Possible, répondit Monsieur Brul, mais on lui consacre en général un chapitre spécial.
- Bon, dit Wolf, n’en parlons plus. Vous savez maintenant ce que j’en pense, de vos études. De votre gâtisme. De votre propagande. De vos livres. De vos classes puantes et de vos cancres masturbés. De vos cabinets pleins de merde et de vos chahuteurs sournois, de vos normaliens verdâtres et lunettards, de vos polytechniciens poseurs, de vos centraux confits dans la bourgeoisie, de vos médecins voleurs et de vos juges véreux… bon sang… parlez-moi d’un bon match de boxe… c’est truqué, aussi, mais au moins ça soulage.»
«[...]- Monsieur Brul, dit Wolf en martelant ses mots, écoutez ce que je vais vous répondre. Écoutez bien. Vos études c’est de la blague. C’est ce qu’il y a de plus facile au monde. On essaye de faire croire aux gens, depuis des générations, qu’un ingénieur, qu’un savant, c’est un homme d’élite. Eh bien, je rigole ; et personne ne s’y trompe, sauf les prétendus hommes d’élite eux-mêmes. Monsieur Brul, c’est plus difficile d’apprendre la boxe que les Mathématiques. Sinon, il y aurait plus de classes de boxeurs que de classes de calcul dans les écoles. C’est plus difficile de devenir un bon nageur que de savoir écrire en français. Sinon il y aurait plus de maîtres baigneurs que de professeurs de français. Tout le monde peut être bachelier, monsieur Brul… et d’ailleurs, il y a beaucoup de bacheliers ; mais comptez le nombre de ceux qui sont capables de prendre part à des épreuves de décathlon. Monsieur Brul, je hais mes études, parce qu’il y a trop d’imbéciles qui savent lire : et ces imbéciles ne s’y trompent pas, qui s’arrachent les journaux sportifs et glorifient les gens du stade. Et mieux vaudrait apprendre à faire l’amour correctement que de s’abrutir sur un livre d’histoire.
Monsieur Brul leva une main timide.
- Ce n’est pas moi qui dois vous questionner là-dessus, dit-il. Ne sortez pas du sujet, encore une fois.
- L’amour est une activité physique aussi négligée que les autres, dit Wolf.
- Possible, répondit Monsieur Brul, mais on lui consacre en général un chapitre spécial.
- Bon, dit Wolf, n’en parlons plus. Vous savez maintenant ce que j’en pense, de vos études. De votre gâtisme. De votre propagande. De vos livres. De vos classes puantes et de vos cancres masturbés. De vos cabinets pleins de merde et de vos chahuteurs sournois, de vos normaliens verdâtres et lunettards, de vos polytechniciens poseurs, de vos centraux confits dans la bourgeoisie, de vos médecins voleurs et de vos juges véreux… bon sang… parlez-moi d’un bon match de boxe… c’est truqué, aussi, mais au moins ça soulage.»
quinta-feira, novembro 10, 2005
Pobreza
Algumas frases que li na Cais deste mês... reveladoras. Vale a pena ir ao site do PNUD.
«Em cada hora, mais de 1200 crianças morrem longe do olhar dos meios de comunicação. É o equivalente a três tsunamis por mês, todos os meses a atingir os cidadãos mais vulneráveis do mundo – as crianças. As causas da morte não serão sempre as mesmas, mas a esmagadora maioria pode ser atribuída a uma única patologia: pobreza.
In Resumo Relatório do Desenvolvimento humano 2005
Um quinto da humanidade vive em países onde muitas pessoas nem pensam antes de gastar 2 dólares por dia num cappuccino. Outro quinto da humanidade sobrevive com menos de 1 dólar por dia e vive em países onde as crianças morrem por falta de uma simples rede mosquiteira.
In Resumo Relatório do Desenvolvimento humano 2005
No seu conjunto, os países ricos gastam actualmente 0,25% do seu rendimento nacional bruto (RNB) em ajuda.
In Resumo Relatório do Desenvolvimento humano 2005»
http://www.undp.org/
Resumo do Relatório em português
In Resumo Relatório do Desenvolvimento humano 2005
Um quinto da humanidade vive em países onde muitas pessoas nem pensam antes de gastar 2 dólares por dia num cappuccino. Outro quinto da humanidade sobrevive com menos de 1 dólar por dia e vive em países onde as crianças morrem por falta de uma simples rede mosquiteira.
In Resumo Relatório do Desenvolvimento humano 2005
No seu conjunto, os países ricos gastam actualmente 0,25% do seu rendimento nacional bruto (RNB) em ajuda.
In Resumo Relatório do Desenvolvimento humano 2005»
http://www.undp.org/
Resumo do Relatório em português
portuguese/pdf/presskit/HDR05_PR4P.pdf
Rapport en français:
http://hdr.undp.org/reports/global/2005/francais/
Rapport en français:
http://hdr.undp.org/reports/global/2005/francais/
sexta-feira, novembro 04, 2005
Buenos Aires
Buenos Aires. De onde é (supostamente) o "bacano" que escreveu um comentário daqueles porreiros num dos meus últimos posts. Bem, mas isso agora não interessa. Buenos Aires fez-me pensar... em algo. Mas em quê? Fiquei assim com comichão durante os dois dias que se seguiram, eu SABIA que significava algo importante para mim mas era incapaz de me lembrar exactamente o quê. Afinal de contas não conheço pessoalmente ninguém de lá, nunca lá fui, li pouco sobre a região (excepto alguns romances da Isabel Allende), enfim, não era por aí. Bem, chega, esta introdução está-se a tornar demasiado secante a meu gosto. A "palavra mágica" é... Barenboim. Pois, assim à primeira vista parece que estou a tentar transformar uma chaleira em sapo (ok, admito, overdose de Harry Potter) mas não. Trata-se do nome dum senhor, Daniel Barenboim. (isto é que é uma introdução e pêras, hem, aposto que ja estão todos a arder de curiosidade...)
Nasceu em 1942 em Buenos Aires (precisamente!!), israelita, é um pianista e maestro conceituado: dirigiu a orquestra de Paris de 1975 a 1989, é "director musical" (não sei exactamente o que isto é mas parece um cargo muito importante) da Orquestra sinfónica de Chicago desde 1991 e director geral da música na Ópera de Berlim desde 1992. Bem, mas não é exactamente isto que o torna importante para mim, já parece que um dia abri o Petit Larousse ao calhas e levei um coup de foudre ao ler a biografia dele. OK, já me estou a baralhar toda, vou começar pelo princípio, isto é mais para saberem que não é um músico qualquer.
Neste verão, no decorrer do mês de Agosto, é que ouvi o nome dele pela primeira vez. Foi quando dirigiu uma orquestra de jovens músicos num concerto em Ramallah (vi-o na TV). A orquestra era constituída por jovens de Espanha e do Médio Oriente (Israel e países Árabes) e actuava pela primeira vez naquela zona problemática do conflito israelo-palestiniano. Tocaram uma sinfonia de Mozart (com um diálogo entre um oboé e um clarinete, um era Israelita, o outro egípcio) seguida da Quinta Sinfonia de Beethoven tocada de forma a cortar a respiração a qualquer um (neste caso a um público de 1000 pessoas, a minha family e eu, mais o pessoal que viu o concerto num ecrã gigante na rua e os outros telespectadores da Arte), era impressionante ver todos aqueles músicos de nacionalidades e religiões tão diferentes e até por vezes (hum hum... demasiadas vezes) conflituosas, a suar todos juntos, praticamente "possessos" pela música, por Beethoven, e, quem sabe?, pelo próprio Barenboim que deu para ver (não sou especialista na matéria mas nunca vi dirigir uma orquestra daquela maneira), TEM de ser um dos maiores maestros do mundo. Parecia que deixava de ser humano, era como se estivesse enfeitiçado, transformado por um momento num... sei lá, em algo mais que humano, mas mais acessível que um Deus. Enfim, deveras paralisante. Aliás bastava olhar para o público, constituído fundamentalmente por palestinianos, homens, mulheres (com ou sem véus, de todas as formas e feitios), crianças, velhos e adolescentes, a sala estava a abarrotar (parece que meia hora antes do espectáculo já não havia lugar nem nos degraus). Ao princípio sentia-se uma certa tensão... ou apreensão? relacionada com o clima político (nãããão!!!! a sério??!), mas depois dava para ver evoluir os olhares, passavam de curiosos e pensativos, alguns divertidos, a simplesmente fascinados, totalmente rendidos à magia de Beethoven e Barenboim. Aliás no fim da 5ª sinfonia houve palmas com toda a gente de pé, durante pelo menos 5 minutos, após os quais a orquestra tocou ainda Nimrod das “Enigma Variations” de Elgar. Depois houve ainda os discursos sobre... bem, os blablas do costume, o facto é que também só dava para falar de paz, e também os agradecimentos ao governo espanhol, que forneceu passaportes de diplomata para os músicos poderem penetrar em Ramallah.
Depois de ver esse concerto pus a mesa para o jantar, e a vida continuou, o resto das férias decorreram, fiquei com curiosidade sobre o senhor mas depois tive outras preocupações e acabei por esquecer o episódio. Voltou-me à memória quando li a palavra "Buenos Aires" no perfil do "bacano" há dois dias atrás. (É verdade que em Agosto estranhei quando soube que ele tinha nascido lá sendo israelita... mas visto que nasceu em 1942... mais valia com efeito estar do lado de lá do Atlântico.) E voltou a curiosidade. Fiz uma pesquisa rápida na net sobre a orquestra e sobre o concerto em Ramallah.
A orquestra chama-se West-Eastern Divan Orchestra, e foi fundada por Daniel Barenboim (quero que decorem este nome :-P ) e o seu amigo Edward Said (intelectual palestiniano que morreu em 2003 aos 63 anos de leucemia e cujo retrato estava na parede do auditório e em cartazes na assistência) em 1999 com o intuito de fomentar o contacto e a reconciliação entre israelitas e árabes. Reúne cerca de 50 (vi 70 num site, 40 noutro) jovens entre os 13 e os 26 anos de Israel, Palestina, Síria, Jordânia, Líbano, Tunísia, Egipto e Espanha que leva todos os anos em tournée em diversas zonas do mundo. Este ano passaram por Espanha, Brasil, Argentina, Reino Unido e Alemanha, antes de actuar em Ramallah. Aqui era a primeira vez que actuavam, nunca tinham podido por razões de segurança. Este concerto foi portanto a realização de uma parte importante do sonho de Barenboim e Said quando fundaram a orquestra: actuar em todos os países de onde são originários os músicos. Nos sites encontrei também umas citações interessantes, que revelam que Barenboim não só deve ser um dos maiores maestros de todos os tempos, tem uma personalidade e um carisma de que muitos dos "grandes deste mundo" precisavam:
comentários de alguns músicos israelitas que põem os pés em Ramallah pela 1ª vez (sublinhados meus):
[antes do espectáculo em Ramallah]
«I think most of the people are going only because of their desire to please the maestro. (...) I admit I said yes because I didn't want to disappoint him. I'm not going happily – except for the happiness I will have playing with Barenboim.»
«It can cause a change, and this is a historic moment»
«(...) the fact that I am not entering with a stick that can shoot, but with a stick that makes music – that is important.»
«(...)music is something not political, and the project could have been made a lot less political and a lot more musical and human: looking at the people there as equals»
[depois do espectáculo]
«(...) I wouldn't have forgiven myself if I hadn't gone. During the intermission, I spoke with one of the Palestinian guards and asked him if he was happy we came. 'You can't imagine how happy I am', he replied, and it simply gave me goosebumps. 'And you?' he asked. I told him I was in a state of ecstasy.»
Barenboim:
«It has been said of us that we are an orchestra of peace; that may be a compliment, but this concert will not bring peace, we all know that.
Understanding, tolerance, courage and the curiosity to listen to the narrative of the other – that is our goal.»
«It is our belief that the destinies of these two peoples, Israel and Palestine, are inextricably linked... either we all kill each other or we share what there is to share. It is this message that we have come here to bring.»
Barenboim Edward Said
(infos e citações tiradas de: http://pamolson.org/ArtIsrRamallah.htm; http://www.guardian.co.uk/israel/Story/0,2763,1553956,00.html;
http://www.arte-tv.com/fr/art-musique/un-ete-de-festivals/948334.html)
Nasceu em 1942 em Buenos Aires (precisamente!!), israelita, é um pianista e maestro conceituado: dirigiu a orquestra de Paris de 1975 a 1989, é "director musical" (não sei exactamente o que isto é mas parece um cargo muito importante) da Orquestra sinfónica de Chicago desde 1991 e director geral da música na Ópera de Berlim desde 1992. Bem, mas não é exactamente isto que o torna importante para mim, já parece que um dia abri o Petit Larousse ao calhas e levei um coup de foudre ao ler a biografia dele. OK, já me estou a baralhar toda, vou começar pelo princípio, isto é mais para saberem que não é um músico qualquer.
Neste verão, no decorrer do mês de Agosto, é que ouvi o nome dele pela primeira vez. Foi quando dirigiu uma orquestra de jovens músicos num concerto em Ramallah (vi-o na TV). A orquestra era constituída por jovens de Espanha e do Médio Oriente (Israel e países Árabes) e actuava pela primeira vez naquela zona problemática do conflito israelo-palestiniano. Tocaram uma sinfonia de Mozart (com um diálogo entre um oboé e um clarinete, um era Israelita, o outro egípcio) seguida da Quinta Sinfonia de Beethoven tocada de forma a cortar a respiração a qualquer um (neste caso a um público de 1000 pessoas, a minha family e eu, mais o pessoal que viu o concerto num ecrã gigante na rua e os outros telespectadores da Arte), era impressionante ver todos aqueles músicos de nacionalidades e religiões tão diferentes e até por vezes (hum hum... demasiadas vezes) conflituosas, a suar todos juntos, praticamente "possessos" pela música, por Beethoven, e, quem sabe?, pelo próprio Barenboim que deu para ver (não sou especialista na matéria mas nunca vi dirigir uma orquestra daquela maneira), TEM de ser um dos maiores maestros do mundo. Parecia que deixava de ser humano, era como se estivesse enfeitiçado, transformado por um momento num... sei lá, em algo mais que humano, mas mais acessível que um Deus. Enfim, deveras paralisante. Aliás bastava olhar para o público, constituído fundamentalmente por palestinianos, homens, mulheres (com ou sem véus, de todas as formas e feitios), crianças, velhos e adolescentes, a sala estava a abarrotar (parece que meia hora antes do espectáculo já não havia lugar nem nos degraus). Ao princípio sentia-se uma certa tensão... ou apreensão? relacionada com o clima político (nãããão!!!! a sério??!), mas depois dava para ver evoluir os olhares, passavam de curiosos e pensativos, alguns divertidos, a simplesmente fascinados, totalmente rendidos à magia de Beethoven e Barenboim. Aliás no fim da 5ª sinfonia houve palmas com toda a gente de pé, durante pelo menos 5 minutos, após os quais a orquestra tocou ainda Nimrod das “Enigma Variations” de Elgar. Depois houve ainda os discursos sobre... bem, os blablas do costume, o facto é que também só dava para falar de paz, e também os agradecimentos ao governo espanhol, que forneceu passaportes de diplomata para os músicos poderem penetrar em Ramallah.
Depois de ver esse concerto pus a mesa para o jantar, e a vida continuou, o resto das férias decorreram, fiquei com curiosidade sobre o senhor mas depois tive outras preocupações e acabei por esquecer o episódio. Voltou-me à memória quando li a palavra "Buenos Aires" no perfil do "bacano" há dois dias atrás. (É verdade que em Agosto estranhei quando soube que ele tinha nascido lá sendo israelita... mas visto que nasceu em 1942... mais valia com efeito estar do lado de lá do Atlântico.) E voltou a curiosidade. Fiz uma pesquisa rápida na net sobre a orquestra e sobre o concerto em Ramallah.
A orquestra chama-se West-Eastern Divan Orchestra, e foi fundada por Daniel Barenboim (quero que decorem este nome :-P ) e o seu amigo Edward Said (intelectual palestiniano que morreu em 2003 aos 63 anos de leucemia e cujo retrato estava na parede do auditório e em cartazes na assistência) em 1999 com o intuito de fomentar o contacto e a reconciliação entre israelitas e árabes. Reúne cerca de 50 (vi 70 num site, 40 noutro) jovens entre os 13 e os 26 anos de Israel, Palestina, Síria, Jordânia, Líbano, Tunísia, Egipto e Espanha que leva todos os anos em tournée em diversas zonas do mundo. Este ano passaram por Espanha, Brasil, Argentina, Reino Unido e Alemanha, antes de actuar em Ramallah. Aqui era a primeira vez que actuavam, nunca tinham podido por razões de segurança. Este concerto foi portanto a realização de uma parte importante do sonho de Barenboim e Said quando fundaram a orquestra: actuar em todos os países de onde são originários os músicos. Nos sites encontrei também umas citações interessantes, que revelam que Barenboim não só deve ser um dos maiores maestros de todos os tempos, tem uma personalidade e um carisma de que muitos dos "grandes deste mundo" precisavam:
comentários de alguns músicos israelitas que põem os pés em Ramallah pela 1ª vez (sublinhados meus):
[antes do espectáculo em Ramallah]
«I think most of the people are going only because of their desire to please the maestro. (...) I admit I said yes because I didn't want to disappoint him. I'm not going happily – except for the happiness I will have playing with Barenboim.»
«It can cause a change, and this is a historic moment»
«(...) the fact that I am not entering with a stick that can shoot, but with a stick that makes music – that is important.»
«(...)music is something not political, and the project could have been made a lot less political and a lot more musical and human: looking at the people there as equals»
[depois do espectáculo]
«(...) I wouldn't have forgiven myself if I hadn't gone. During the intermission, I spoke with one of the Palestinian guards and asked him if he was happy we came. 'You can't imagine how happy I am', he replied, and it simply gave me goosebumps. 'And you?' he asked. I told him I was in a state of ecstasy.»
Barenboim:
«It has been said of us that we are an orchestra of peace; that may be a compliment, but this concert will not bring peace, we all know that.
Understanding, tolerance, courage and the curiosity to listen to the narrative of the other – that is our goal.»
«It is our belief that the destinies of these two peoples, Israel and Palestine, are inextricably linked... either we all kill each other or we share what there is to share. It is this message that we have come here to bring.»
Barenboim Edward Said
(infos e citações tiradas de: http://pamolson.org/ArtIsrRamallah.htm; http://www.guardian.co.uk/israel/Story/0,2763,1553956,00.html;
http://www.arte-tv.com/fr/art-musique/un-ete-de-festivals/948334.html)
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